Uma boa ideia que foi subaproveitada. Assim é possível definir a segunda temporada de Fear The Walking Dead. Este segundo ano reforçou aquilo que já se desconfiava nos seis primeiros episódios que marcaram a estreia do spin-off de Robert Kirkman, criador de The Walking Dead. Embora a série tivesse sido mais regular e palatável em seu debute em 2015, a temporada que terminou este mês teve mais que o dobro de episódios de seu início, para desenvolver uma trama que desperdiçou um bom potencial.

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A premissa é a mesma da série original: um grupo de sobreviventes e zumbis em meio a uma nova sociedade, onde nem sempre os mortos vivos são as maiores ameaças. Uma das grandes diferenças é a ambientação, totalmente diferente da série original. Enquanto The Walking Dead se passa na Georgia, Fear situa o novo grupo inicialmente na Califórnia e posteriormente na fronteira com o México, locais geograficamente bem diferentes do original. Isso se reflete bastante na fotografia da série, que possui tons mais quentes, se fizermos uma comparação. Além disso, a história se passa bem antes dos eventos atuais que estamos acompanhando, com o grupo de Rick Grimes. Mostrar os acontecimentos sob um outro ponto de vista, sem dúvidas é uma boa ideia. Várias histórias poderiam ser contadas, sob diversas perspectivas e a partir de diversos locais, se pararmos para analisar. No entanto, Fear The Walking Dead não soube utilizar o princípio do apocalipse em seu favor, nem tampouco aproveitar aquilo que deu certo na série original. Além é claro, de investir em recursos que não geram satisfação da audiência.

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A primeira temporada, que não foi unanimidade mas não se arrastou tanto quanto a segunda, foi favorecida por dois fatores: uma quantidade pequena de episódios e o fato de retratar o início do caos na Califórnia. Assistimos a queda da civilização através do que eles pensavam ser uma gripe, as primeiras aparições de infectados, a repercussão na mídia e a intervenção do exército, sitiando cidades e tentando conter a ameça dos zumbis. Entretanto, aqueles que esperavam uma resposta concreta sobre o vírus ficaram frustrados. Tanto na série original, quanto no spin-off, trata-se de um fato não explorado. Porém, a partir da premissa reveladora que Fear prometia carregar, não apresentar algo mais palpável em relação a isso foi anti-climático e a partir da segunda temporada, apenas o mais do mesmo aconteceu. Ou seria o menos do mesmo?

A primeira temporada tratou de estabelecer um grupo que, em sua maioria, não apresenta carisma suficiente para fisgar o público de maneira satisfatória. Travis (Cliff Curtis) e Madison (Kim Dickens) são em tese protagonistas, porém seus personagens não emplacaram em momento algum. A primeira parte da segunda temporada não colaborou muito, com um roteiro frágil, soluções fáceis e incoerências lógicas, seja a bordo de Abigail ou em solo mexicano. Entretanto, quando somam-se a isso atuações automáticas e pouco a oferecer para os atores, é até injusto culpá-los somente, até porque nem todos são ruins. Kim Dickens que o diga. Mas há todo um conjunto que deve ser observado, como a própria direção.

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O desperdício de personagens com bom potencial também pode ser notado na série. Daniel Salazar (Rubén Blades), que teve destaque no primeiro ano, tornou-se uma caricatura de si mesmo, com um desfecho incoerente com sua própria personalidade. Victor Strand (Colman Domingo), que também era promissor com seus mistérios e apresentava-se pouco confiável, se perdeu em meio a uma narrativa enfadonha. Na segunda parte, até voltou a ter alguma relevância, mas permaneceu mais como um figurante de luxo em meio a sua estadia no hotel. Já Ofelia (Mercedes Mason) não apresentou nenhuma evolução como personagem, e apenas no final da temporada, em sua jornada particular, pareceu dar indícios de alcançar alguma relevância na trama.

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O que se pode chamar de núcleo jovem só conseguiu ser salvo, em grande parte, por Nick (Frank Dillane), melhor personagem da série. Com o conflito inicial das drogas e com a baixa expectativa de vida superada, na segunda temporada foi que mais teve tempo de tela, embora também tivesse sofrido com o fraco roteiro dos sete primeiros episódios. Foi dele inclusive o protagonismo do episódio 8 Grotesque. Foi interessante ver sua ida para a colônia de Alejandro (Paul Calderon) e sua relação com Luciana (Danay Garcia), duas boas adições ao elenco. Porém, a forma como as coisas aconteceram na comunidade de Celia (Marlene Forte) e o conduziu até ali foram extremamente forçadas, não só para ele mas para todo o grupo. Todo aquele elemento meio sobrenatural, que perturbou Salazar e o conflito moral em relação as pessoas transformadas não foram muito fáceis de serem digeridos.

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Quem conquistou maior empatia e desenvolveu-se em meio a tanta irregularidade foi Alicia (Alycia Debnam-Carey). Após uma primeira temporada inexpressiva e a metade inicial deste ano irritando o público com suas ações, na segunda metade a personagem cresce e amadurece de forma natural, de acordo com os acontecimentos, tornando-se mais palpável para a audiência. Definitivamente, o mesmo não se pode dizer de Chris (Lorenzo James Henrie) que mesmo com todos os indícios de rebeldia, tem  atitudes muito forçadas e irritantes, que são igualmente comparáveis a atuação do ator. Desculpe Travis, mas ele não vai fazer falta.

Entretanto, seria injusto dizer que Fear não apresentou nada de bom este ano. O últimos episódios da temporada tiveram qualidade bem superior aos demais, com destaques para Do Not Disturb, Wrath e North, 10º, 14º e 15º respectivamente. Os acontecimentos mostrados conseguiram trazer momentos de tensão e fazer o público realmente temer por algo. Entretanto, ainda falta um evento chocante e que impacte. É necessário dizer isso pois, ao contrário de The Walking Dead, não houve sequer um momento icônico na série, ao longo de 21 episódios. A comparação é inevitável por dois motivos: ser um spin-off e por partir do mesmo princípio apocalíptico e suas consequências sociais. Na série original de Robert Kirkman, até o final da segunda temporada já havíamos tido, no mínimo uma dúzia de acontecimentos marcantes e pelos menos três grandes momentos podem ser relembrados com facilidade: a revelação de que todos estavam infectados no Centro de Controle e Prevenção de Doenças, a morte de Shane e a descoberta de que Sophia estava no celeiro de Hershel, entre outros. Já em Fear, as mortes que envolveram o grupo principal não foram suficientemente impactantes e o melhor momento é justamente no fim, quando Nick descobre as atividades supostamente militares na fronteira. A reação de Travis, ao saber da morte de Chris também é brutal, desconfortável e rende um momento extremamente tenso, mas ainda assim é pouco para impactar de forma consistente toda uma temporada.

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Outra coisa que demorou a acontecer em The Walking Dead, e em Fear ocorreu de forma apressada, foram o surgimento dos vilões. Na série original, uma figura de antagonismo ao grupo de Rick só se estabeleceu de forma real na terceira temporada, com o Governador. Até então, o vírus, os conflitos internos e os zumbis, que ainda estavam em número bem grande, eram as maiores ameaças e ainda havia uma tentativa de restabelecer a sociedade organizada. É claro que você deve ter pensado sobre a narrativa, que se arrasta muitas vezes na série original.  Os chamados episódios fillers são um problema e os momentos de extrema calmaria arrastam a trama, mas de um modo geral, existe uma certa lógica a ser seguida, em grande parte. E este era justamente um defeito que Fear não soube corrigir.

No spin-off, na primeira parte desta temporada foram apresentados duas ameaças, extremamente genéricas e na segunda metade, os traficantes até conferiram um peso maior, no entanto sem aquele tom de ameaça realmente necessário para ter o que temer. Outra coisa que torna o grupo de Travis e Madison um passo a frente de maneira forçada, são as soluções para lidarem com a horda. Nunca foi tão fácil se livrar de zumbis, e parece que há uma preocupação na série em apressar isso para não torná-la massante. A camuflagem de Nick, embora seja um artifício que já conhecemos, nos faz pensar que seria tão fácil para Rick e os demais terem se livrado de várias situações e mortes. O problema é que já sabemos que não basta se banhar de sangue e que isso, por si só, nem sempre é suficiente. Este recurso já fora utilizado na primeira temporada em Atlanta e em Alexandria, por exemplo, mas não de forma tão insistente, que enfraquece até mesmo a ação dos walkers.

Ainda que seja irregular, Fear The Walking Dead já está renovada para a terceira temporada pelo canal AMC. Houve também uma queda acentuada de audiência, mas parece que isso não atrapalhou os planos da emissora. Que eles possam servir para contar uma história mais coerente, que desenvolva os personagens sem ser tão lenta. A ação não precisa existir a todo momento para uma trama ser eficiente, entretanto, se o roteiro não se encarregar de dosar todos os elementos, haverá novamente um desperdício de tempo e potencial, para ampliar o universo criado e estabelecido da série original.

2 estrelas e meia

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